Sou uma pessoa de obsessões, de impulsos, mas são obsessões positivas. Ou seja, são coisas que não fazem mal a ninguém, é apenas uma maneira de ser. Durante muito tempo tentei não ser assim. Tentei ser mais regular, mais consistente, ver só um episódio de cada vez ou não comer a tablete de chocolate toda. Só que essa pessoa não sou eu.
Como tantas coisas depois dos 30, agora começo a perceber que é como eu sou. E que em vez de estar sempre a lutar contra as minhas tendências, se não estiver a prejudicar ninguém nem a mim própria, mais vale assumir.
Obsessões têm má fama
E será que é assim tão mau? O que concluí é que a sociedade tende a associar estes impulsos e obsessões a um desequilíbrio. E os desequilíbrios têm má fama. Somos uma sociedade que sobrevaloriza (e, até, idealiza) o equilíbrio. Queremos equilíbrio em tudo, até onde não é possível, como no famoso conceito de work-life balance.
E queremos um equilíbrio forçado, não natural. A natureza também tem estações e ciclos e isso é uma forma de equilíbrio. Não chove o mesmo todos os dias.
Everything in moderation, including moderation.
Oscar Wilde
E há quem se dê muito bem com o equilíbrio. Conheço quem seja moderado em tudo. Quem divida o trabalho da semana por 5 e em cada dia faz 20% das tarefas. Conheço quem só coma um quadrado de chocolate por dia. Casei-me com uma pessoa assim.
Mas não ser assim, também não significa ser caótica, perigosa ou pior. Levei muitos anos a perceber que a energia que estava a gastar a tentar ser alguém muito moderada era um desperdício. Mais vale assumir que tenho fases, ímpetos e sim, também obsessões positivas. Aliás, ao pensar sobre isto até me ocorreu que as pessoas mais criativas muitas vezes são assim mais obsessivas. É a outra face da moeda.
O que eu retiro das minhas obsessões positivas
Obsession can be a useful tool if it’s positive obsession.
Octavia E. Butler
Tendo aprendido a aceitar esta parte de mim, tornou-se mais fácil encontrar aspectos positivos. Aqui ficam alguns exemplos:
- Quando me interesso por um tema ou tópico, mergulho a fundo e fico a conhecê-lo bem
- Quando estou na fase obcecada, consumo as coisas muito depressa, por exemplo, leio mais
- As minhas obsessões conduzem-me a outras obsessões, o que aumenta e enriquece o meu mundo
- Quando saltito entre obsessões sinto que vario bastante e que dou saltos mais radicais entre elas
- Como aprofundo vários temas diferentes, consigo descobrir ligações entre ideias e ver padrões
- Acabo por associar as fases em que estive obcecada com certos temas com fases da minha vida
- Mais tarde ou mais cedo revisito as minhas obsessões já de forma selectiva porque já sei o quero rever (p. ex., revejo uma determinada entrevista)
O que faço nas fases de obsessões positivas
Obsession is a living thing. A kind of beast. When you find a positive obsession, an obsession that seems like it can take you somewhere good, you keep feeding it, and you ride the beast until it’s dead.
Austin Kleon
Focando um bocadinho nas obsessões criativas, também aqui eu dantes achava que não eram “o ideal”. Quer dizer, há tantos livros para ler, por que é que hei-de ler vários seguidos do mesmo autor? Mas, lá está, se é o que me apetece, se é o que o meu cérebro e a minha curiosidade estão a pedir. E se não faz mal a ninguém. Por que não?
Aqui fica uma ilustração do tipo de coisas que faço quando estou nestas fases de obsessões criativas:
- Ler vários livros de um autor de seguida ou num curto espaço de tempo (p. ex., livros da Zadie Smith)
- Ler livros sobre a obsessão, cartas, memórias de outras pessoas que se cruzaram (p. ex., livros sobre a Nora Ephron)
- Ir ver os extras/cenas cortadas/versões comentadas com um criador (p. ex., vi a versão comentada pela Nora Ephron e pelo Rob Reiner do DVD de When Harry Met Sally)
- Ir ver entrevistas no Youtube ou ouvir podcasts (p. ex., todos os podcasts em que a Dolly Alderton participa)
- Comprar antologias (p. ex., Selected Works of Virginia Woolf)
- Ir investigar outro autor/artista que a minha obsessão adora (p. ex., foi por causa da J. K. Rowling que li Roddy Doyle)
Algumas das minhas obsessões positivas
Em particular, de vez em quando descubro um escritor, um artista, uma série e mergulho de cabeça.
Aqui ficam, sem ordem, sete das minhas obsessões criativas dos últimos anos.
Jane Austen
Li os 6 romances da Jane Austen, li a biografia da Claire Tomlin, li um livro com cartas escritas por ela, li textos juvenis e inacabados que ela escreveu, vi a adaptação da BBC do Orgulho e Preconceito (e comprei a colectânea de adaptações da BCC), vi todas as adaptações para o cinema, li um livro tipo auto-ajuda sobre o que podemos aprender sobre romance com as personagens da Jane Austen. Até vi o Clueless que foi inspirado na Emma e o Diário de Bridget Jones que foi inspirado no Orgulho e Preconceito. Mais houvesse, mais veria e leria.
Nora Eprhon
Desde que descobri a Nora Ephron com o I Feel Bad About My Neck, que não parei. Li todos os livros dela, até os que são colectâneas dos tempos de jornalismo, até os que são colectâneas de entrevistas que deu. Vi o documentário que o filho fez depois da morte dela. Vi a maior parte dos filmes, mas o que vi, vi mesmo muitas vezes. Li artigos dela na New Yorker e posts que escreveu para o Huffington Post. Comprei livros que são guiões de filmes. Comprei o Godfather e o The Golden Notebook porque ela os mencionou. Estou constantemente a rever discursos dela no Youtube.
Lê também: Nora Ephron: 9 razões para ler tudo o que escreveu
Tina Fey
Não me lembro quando “descobri” a Tina Fey. Talvez tenha sido em deambulações aleatórias pelo Youtube. Depois veio o livro Bossypants e não parei. Vi diversas cenas do Saturday Night Live, discursos e entrevistas, a série 30 Rock filmes que escreveu (Mean Girls) e filmes que protagonizou (Admission, Date Night, Baby Mama). Mais recentemente, tenho visto episódios de Unbreakable Kimmy Schmidt.
Miguel Araújo
Eu sempre simpatizei com o Miguel Araújo. Mas quando descobri numa Feira do Livro há uns tempos o livro de crónicas dele Seja O Que For que fiquei fascinada. Comprei logo o outro, o Penas de Pato. E comecei a ver concertos inteiros no Youtube, a ouvir mais músicas, a ver entrevistas e a comprar bilhetes para concertos. É uma cabeça interessante.
Mindy Kaling
Comecei pelos dois livros que ela escreveu há uns anos: Is Everyone Hanging Out Without Me? e Why Not Me?. Depois numa das licenças de maternidade vi o The Mindy Project. Entretanto vi o filme Late Night, que ela escreveu e protagoniza. Inúmeras entrevistas e discursos. E vou estando atenta.
Dolly Alderton
Descobri primeiro o Everything I Know About Love. Depois li o Ghosts. Não sei de qual gostei mais. Depois comecei a segui-la no Instagram. Depois ouvi a série de podcasts sobre o Sexo e A Cidade (“Sentimental in the City”). Depois ouvi o podcast “Love Stories”. E diversas entrevistas em vídeos e outros podcasts. Estou a ler o Little Weirds por causa dela. Muito para absorver ainda.
Lin-Manuel Miranda
Vi o Hamilton (mas não ao vivo, snif), vi o Encanto, vi o Tick Tick Boom. Mas vi dezenas de entrevistas dele em talk-shows e um documentário na Netflix sobre uma das canções que ele criou. E um vídeo que me impressiona sobre a primeira vez que ele mostrou a semente da ideia para o Hamilton na Casa Branca, só ele e um músico ao piano. Li o G’morning, G’night. E ainda quero mais.
E tu? Tens alguma obsessão positiva?
3 comments
Oh, adorei este post. Até parece ser sobre mim… 🙂
Sim, também eu tenho obsessões positivas:
– Haruki Murakami. Li todos os livros que publicou. Li muitas entrevistas que apanho na net e sigo um blog acerca dele.
– Descobri recentemente a escritora Collen Hoover e estou em processo de ler TUDO dela. Desde o verão do ano passado li 7 livros dela e ambicionou ler tudo o que ela escreveu.
– tenho uma obsessão de há muitos com o livro “O Principezinho”, tenho versões em várias línguas tenho 15 versões diferentes incluindo BD, pop-up, puzzle e adaptações para crianças, tenho merchandising do personagem: canetas, sacos, camisola, porta-chaves.
Olá, Ana!
Obrigada! Giro ver que não estou sozinha nisto 🙂
Que interessante, estes três exemplos que dás são todos diferentes entre si, é muito engraçado ver a variedade de tópicos e estilos que puxam pela nossa curiosidade, não é? Nunca li nada da Colleen Hoover, mas tenho ouvido falar muito!
Beijinho e obrigada por partilhares,
Francisca
Boa tarde Francisca.
Surpresa! Novas e interessantes leituras!
Da pequeníssima parte que já li, posso dizer que compreendo bem o que expressa mas em períodos mais impacientes, pense :
“Basta! Não é só no dicionário que esta palavra vem antes de felicidade”.
Um forte abraço.