French Children Don’t Throw Food: book review

French Children Don't Throw Food

Imaginem um mundo em que os miúdos comem legumes, dizem bom dia, desculpe e obrigada, esperam que os pais acabem de conversar para falar, sabem brincar sozinhos, dormem, comportam-se em restaurantes e são, em geral, menos stressados. Agora imaginem um mundo em que as mães estão impecáveis 3 meses depois do bebé nascer, os pais têm tempo para namorar e todos podem beber vinho. Aparentemente, em França, e mais especificamente em Paris, é assim. As French children são um case study.

Americanos vs Franceses

O livro é escrito por uma americana que vai viver para Paris com o marido inglês. Quando ficam à espera de bebé, ela começa a reparar nas diferenças culturais na gravidez e, mais tarde, durante a infância dos filhos. Toda a sociedade francesa parece conhecer segredos que ela ignora.

Em Portugal, estamos algures entre as culturas Americana e Francesa. Há uma parte nossa que ainda é muito europeia. Mas também há uma enorme influência dos EUA. E às vezes parece que desdenhamos daquilo que é mais tradicional. Como se a cultura Americana fosse a mais certa ou moderna. É pena. Assim perdem-se alguns valores e hábitos saudáveis, como o livro mostra.

It strikes me that the French genius isn’t coming up with a novel, mind-blowing sleep trick. It’s clearing out the clutter of competing ideas and focusing on one thing that truly makes a difference.

Leiam o French Children Don’t Throw Food, da Pamela Druckerman, e digam-me se não ficam a pensar “tenho de começar a ser mais francesa”.

Overparenting

Esta é uma boa altura para ser pai/mãe. Em geral, todos estão mais informados e envolvidos. É bom que os pais tentem ser melhores. Mas quando a vida familiar revolve exclusivamente à volta dos filhos, não é bom para ninguém, muito menos para as crianças.

Today’s young parents are part of the most psychoanalyzed generation ever and have absorbed the idea that every choice we make could damage our kids.

A ideia da cultura francesa sempre fascinou os americanos. (A nós portugueses acho que nos fascina mais Nova Iorque do que Paris). As diferenças entre culturas cada vez se esbatem mais. E a ideia de que as mulheres francesas sabem segredos que as outras não sabem é um cliché. Mas as crenças, que realmente parecem ser diferentes, são fascinantes. E libertadoras. Não temos de nos impor tantas restrições, culpas, objectivos, etc. Podemos viver com mais prazer. E, porventura, melhor. Porque, como a autora conclui, há vários casos em que as mulheres francesas estão “intuitivamente” a seguir as mais recentes descobertas científicas.

É claro que há excepções. Há-de haver americanas impecáveis e francesas desleixadas. Mas não são a maioria. E o ideal que cada sociedade cultiva é diferente.

A autora acaba por concluir que, para ser uma mãe diferente, não basta uma filosofia diferente. É preciso uma ideia distinta do que é uma criança.

Trabalho de casa

Quando engravida, a autora opta por “ser Americana”. Começa a comprar vários livros para saber “exactamente com o que se preocupar”. Com tantas leituras, os bebés começam a parecer seres enigmáticos. Conforme o livro e as teorias, parecem ter necessidades diferentes.

Os americanos que ela conhece acreditam que a gravidez e a maternidade vêm com trabalhos de casa. O estudo e a preocupação fazem parte da gravidez. Em França, há livros sobre gravidez mas não são obrigatórios e ninguém os compra a todos. Os franceses comportam-se como se o que as futuras mães mais precisassem fosse de serenidade.

It quickly becomes clear that having a child in France doesn’t require choosing a parenting philosophy.

Gravidez chic

The main reason that pregnant French women don’t get fat is that they are very careful not to eat too much.

Mas isto vem de uma vida inteira a não se privarem de alimentos. Quando estão grávidas, não precisam dessa desculpa para enfardar. Nos EUA, a gravidez é uma carta branca para preocupações, idas às compras e comida.

Ela diz que as Americanas mostram o seu compromisso com o bebé através do quanto estão disponíveis a sacrificar. As Francesas, pelo contrário, demonstram o compromisso através da tranquilidade. E até se gabam de não terem renunciado ao prazer.

A pausa”: uma alternativa ao sleep training

Este é um tema que atravessa o livro em vários pontos: observar o bebé, perceber os seus ritmos naturais, tratá-lo com respeito, dar-lhe espaço para agir por si próprio. Desde que nascem.

O exemplo mais detalhado desta pausa é nos hábitos de sono dos recém-nascidos. Consiste em dar uma oportunidade aos bebés de se auto-acalmarem. Há barulhos que os bebés fazem enquanto dormem. Eu que o diga, o nosso bebé rosnava. Às vezes, até abrem os olhos durante o sono. Se interferirmos, aí sim, eles acordam. Ou habituam-se a que estejamos sempre lá e se não estivermos choram.

Esta teoria é apresentada como uma forma de sleep teaching. Não é tão drástica como o famoso sleep training, que envolve deixar o bebé a chorar até adormecer. A parte deprimente é que há uma pequena janela de oportunidade: só até aos 4 meses. A partir daí, os hábitos de sono estão formados.

French parents believe it’s their job to gently teach babies how to sleep well, the same way they’ll later teach them to have good hygiene, eat balanced meals and ride a bike. They don’t view being up half the night with an eight-month-old as a sign of parental commitment. They view it as a sign that the child has a sleep problem and that his family is wildly out of balance.

Tenham paciência

Os franceses acham que a paciência e o auto-controlo são fundamentais. Para isso, os pais não andam à volta das French children a fazer tudo o que eles querem, a ceder a todas as birras, a reagir de imediato a qualquer solicitação. Ensinam os filhos a auto-distraírem-se.

E os pais franceses são pacientes a ensinar a paciência. Ou seja, não estão à espera de crianças perfeitas, que aceitam todas as ordens à primeira. Mas vão relembrando das regras. E não exageram quando elas protestam ou fazem uma birra. São firmes sem ser stressados.

Não interromper os miúdos quando estão distraídos, por exemplo a brincar por si próprios. Esta atenção ao ritmo natural das crianças é crucial. Educar, no seu melhor devia ser surfar as ondas que as próprias crianças iniciam. Elas dão os sinais, nós só os deveríamos seguir.

Le cadre

Esta é uma das ideias mais apelativas para mim. Há uma moldura (“cadre”), com regras muito firmes, conhecidas por todos, nas quais os pais não cedem. Mas depois dentro dessa moldura, os miúdos têm bastante liberdade. Por exemplo, têm de ir para o quarto a uma certa hora. Mas podem fazer o que quiserem lá dentro.

Os franceses não se preocupam com estes limites impostos às crianças. Não acreditam, como nos EUA, que estejam a castrar a auto-expressão ou criatividade dos filhos.

French parents don’t worry that they’re going to damage their kids by frustrating them. To the contrary, they think their kids will be damaged if they can’t cope with frustration.

Os pais falam muito sobre as regras, o que é permitido ou não. Isso torna o cadre algo quase tangível. E usam a linguagem dos direitos. Em vez de “não batas na Rita” dizem “não tens o direito de bater na Rita”.

This is more than a semantic difference. (…) The French phrasing suggests that there’s a fix and coherent system of rights, which both children and adults can refer to. It also makes clear that the child does have the right to do other things.

Explicam as razões por que algo é proibido. Falam de igual para igual com a criança, e não numa atitude de superioridade (“porque eu digo que sim”, etc.). Se todos os comportamentos desviantes forem tratados da mesma forma, como é que eles vão saber o que é importante? Para manter a autoridade, os pais devem dizer sim a maior parte das vezes. A autoridade deveria ser uma de autorizar e não de bloquear. E o não deve ser definitivo.

E deve ser dada à criança a oportunidade de obedecer a uma ordem. Em vez de por exemplo chegar lá e tirar-lhe logo a faca da mão. É desde logo uma questão de respeito. Mas exige tempo, diálogo, paciência e uma reciprocidade no tratamento.

Em resumo, em vez de esperar por uma crise e depois dar castigos dramáticos, os pais franceses vão fazendo pequenas e educadas advertências, com base nas regras já bem definidas. Ajudam as suas French children a ser obedientes. E esta, heim?

Bolo de iogurte

Gâteau au yaourt. É o primeiro bolo que a maior parte das crianças francesas cozinha com os pais, desde cedo. A receita, como a autora refere, é “pretty hard to screw up”. Cozinhar bolos acaba por ser uma forma de ensinar auto-controlo. Envolve medições, seguir a receita ponto a ponto e esperar que coza. Para além de que o bolo não é comido assim que sai do forno, mas ao lanche (“gôuter”).

O facto de haver um lanche também é importante. Hoje em dia, há tendência para deixar os miúdos petiscar, o que não é tão saudável. Depois, é natural que não tenham tanta fome às refeições.

As French children não têm menus de criança

A comida é uma experiência. Um alimento deve ser proposto várias vezes aos bebés, porque os gostos demoram a formar-se. Deve falar-se com as crianças sobre a comida que lhes damos, se é estaladiço, a que é que cheira, se esta maçã é mais ou menos ácida que a outra, etc. A variedade é fundamental. As refeições devem ser breves, para o ambiente ser leve. As French children, por norma, não comem à frente da televisão, nem com computadores/tablets. Não se deve oferecer outra comida, se a criança não gosta da que foi servida. Não se deve deixar a criança perceber o quão desesperadamente queremos que ela coma aqueles vegetais.

Remember, you’re playing the long game. You don’t want her to eat an artichoke once, under duress. You want her to gradually learn to like artichokes.

E em relação aos doces. Agora parece que o açúcar é o inimigo máximo a evitar a todo o custo. Já todos sabemos o que é o agave. Mas existe açúcar no mundo. É mais equilibrado ensinar que os doces são mimos para ocasiões especiais, em doses controladas. Todos precisamos das excepções.

The American Question

How can we speed these states up? Era a que alegadamente faziam ao Piaget quando ele andou pelos EUA em digressão nos anos 60. É uma tentação para todos nós hoje em dia. Há uma espécie de corrida que ninguém admite. Mostra lá à senhora que já sabes contar. É melhor eles saberem ler antes do primeiro ano? Que ansiedade (vaidade?) é esta que passamos para a educação dos nossos filhos? O que é que eles ganham em antecipar? Não pode haver actividades só para diversão e exploração? Tem de ser tudo com um fim de acelerar qualquer capacidade?

O livro defende que os Americanos (e os Portugueses?) são mais focados em atingir milestones de desenvolvimento e adquirir capacidades concretas. (Que se possam mostrar?). Os Franceses preocupam-se mais com um desenvolvimento mais profundo da criança. Até podem inscrevê-los na natação, mas não se chocam se ao fim de várias aulas a criança não souber nadar. Porque está em contacto com a água, com o seu corpo, etc. A autora chama-lhe “awakening“.

Awakening is about introducing a child to sensory experiences, including tastes. It doesn’t always require the parents’ active involvement. (…) Awakening is a kind of training for children in how to profiter – to soak up the pleasure and richness of the moment.

Culpa

Todas as mães sentem culpa. Mas as francesas tratam-na como algo desagradável, indesejável e pouco saudável. É uma tentação e uma armadilha a evitar.

Por oposição, as mães americanas, e muitas de nós, tratam a culpa como algo que vem com o território da maternidade. Pior, como algo que nos alivia a consciência e nos “compra tempo”.

For American mothers, guilt is an emotional tax we pay for going to work, not buying organic vegetables, or plopping our kids in front of the television so we can surf the Internet or make dinner. If we feel guilty, then it’s easier to do these things. We’re not just selfish. We’ve “paid” for our lapses.

Sexy mama

As mães francesas levam a sério voltar à forma depois de um filho. Não existe sequer uma expressão equivalente a MILF em francês. Uma mulher sexy, continua a ser sexy independentemente de ter sido mãe.

Mais uma vez a ideia de culpa. As Americanas parece que achavam egoísta que se “retirasse” tempo do bebé para pensar em emagrecer. Era uma espécie de sacrifício do corpo feminino, mártir das gravidezes e dos bebés. A maior parte das mulheres que a autora encontra em Paris fala em 3 meses como janela para recuperar o seu corpo.

E depois, o livro fala de outras “coisas à francesa”. Por exemplo, recusar-se a fazer dieta, mas antes “prestar muita atenção”. Durante a semana estar muito atenta ao que se põe na boca (adeus, pão). Mas ao fim-de-semana relaxar. Comer “whatever they want”. Em moderação?, pergunta a autora. Não!, respondem as francesas. O que quiserem mesmo!

Até em termos de linguagem, prestar atenção soa melhor do que os termos que usamos impregnados de culpa: “portar-se bem”, “fazer batota”, “dia da asneira”. Proibir determinadas comidas para sempre é mais difícil do que pensar que as vamos comer noutra altura.

Liberdade, identidade

Para além do corpo, as mulheres francesas também recuperam a sua identidade de pré-mães mais depressa. São mais autónomas dos filhos fisicamente. Não deixam os brinquedos das crianças dominar todas as divisões da casa. Não assumem que têm de estar 24h por dia ao serviço das crianças. Arranjam forma de ficar algumas horas sem os filhos, sem culpas. E vão a aulas de yoga ou ao cabeleireiro. Física e mentalmente arranjam espaço.

In Hollywood films, you know instantly if a female character has kids. That’s often what the film is about. But in the French romantic dramas and comedies I occasionally sneak out to watch, the fact that the protagonist has kids is often irrelevant to the plot.

A partir dos 3 anos, só os filhos é que ficam nas festas de anos dos amigos. Os pais têm algumas horas de babysitting gratuito. Não se promove a maman-taxi, uma mãe que passa todo o seu tempo livre a levar e trazer os miúdos a diferentes actividades. O tempo dos adultos é visto como uma necessidade humana básica. Por isso é que a hora de ir para a cama é rígida.

Os Franceses defendem o let-them-be principle. As próprias French children são treinadas na independência. Por exemplo, os franceses também elogiam e incentivam os filhos. Mas não abusam dos elogios como os pais americanos. Estar sempre a dizer “bom trabalho” pode tornar as crianças viciadas no feedback positivo. Passam a precisar da aprovação de outra pessoa para se sentirem bem consigo próprios. E se receberem sempre elogios, deixam de se esforçar, porque sabem que não dependo do que fazem.

Amamentar é outra coisa em que eles não são fundamentalistas. Geralmente amamentam até aos 3 meses, ou algo do género. Mas não andam durante anos com bombas de leite e stressados.

For us, Anglophone mothers, the length of time that we breastfeed – like the size of a Wall Street bonus – is a measure of performance.

Os homens, os homens

Isto pode parecer polémico, mas é interessante. O livro defende que as francesas não vêem os homens como seus iguais. Aceitam que, por natureza e em geral, os homens não têm jeito para agendar babysitters, comprar toalhas de mesa ou lembrar-se das idas ao pediatra.

Estas expectativas criam um ciclo virtuoso, em que os homens não ficam desmoralizados e as mulheres não estão sempre a refilar com eles. Assumem que eles têm essas limitações e pronto. E os homens sentem-se mais generosos para com as suas mulheres, a quem reconhecem espantosos skills de micromanagement e controlo dos detalhes domésticos.

Para além disso, as mães francesas têm mais facilidade em abdicar do controlo e tolerar padrões mais baixos, em troca de menos stress e mais tempo livre.

A nossa vida não é tão mais fácil quando pensamos assim?

E mais, muito mais

Caca boudin, pão com chocolate e contos infantis sem lições de moral. Mas já não cabia tudo aqui. Convido-vos a ler o livro!

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