Sempre que ouço alguém a dar o conselho “Segue a tua paixão” fico doida. Seja um conselho de vida ou de carreira, é muitas vezes o que nos é servido por oradores, num elevador ou numa conferência. Por isso, quando encontrei a Elizabeth Gilbert a falar sobre a importância da curiosidade (para quem não descobriu a tal paixão), tirei apontamentos.
Ela explora a frustração que eu sentia e não sabia articular. Nem toda a gente sabe qual é a sua paixão ou tem sequer uma única paixão. Algumas de nós são diferentes.
O problema de “Segue a tua paixão”
Ainda outro dia me aconteceu: estava num evento, com uma oradora convidada de grande sucesso profissional (e, entre parêntesis como sempre é apresentado este tipo de factos neste tipo de conversas, com 3 filhos). E a certa altura ela disse que um momento que definiu toda a sua carreira foi quando, perante uma escolha entre dois caminhos, um chefe lhe disse “A tua paixão é esta, segue-a”. E ela seguiu. E então ela também nos queria passar a todas esse conselho capaz de mudar uma vida: é fácil, basta seguirem a vossa paixão.
Não é a primeira (nem a décima vez) que dou por mim a receber este conselho de pessoas a quem pedimos conselhos precisamente por terem chegado onde chegaram. O que levanta a questão: é isso que me falta? Uma “paixão”? Como é que a descubro? Não é suposto ser óbvio, tão evidente que se sobrepõe a tudo o resto? E eu, que não tenho uma paixão declarada, e se calhar tenho várias e vão mudando?
E é aqui que entra este episódio do podcast da Oprah: “The flight of the hummingbird: the curiosity-driven life”. A Elizabeth Gilbert conta que ela é uma dessas pessoas que sempre teve uma paixão e tudo o que fez na vida foi segui-la.
Passion was the thing that made me come home from those long shifts, smelling like other people’s french fries, with really sore feet, a really long day of work, and then I would take off my shoes and sit down and go to my real work. And the real work was writing. (…) Passion to me was (…) the one true path and the only way forward.
Um dia, após ser confrontada por uma pessoa que tinha assistido a uma palestra dela e que ficou super desanimada, apercebe-se dos problemas do conselho que costumava dar a toda a gente: “segue a tua paixão”.
E o problema era este: quantas das pessoas que ela conhecia intimamente e admirava é que tinham uma paixão claramente identificada desde crianças, da qual nunca se desviaram e pela qual estariam dispostas a sacrificar tudo? Zero. Pelo contrário, as pessoas fascinantes e importantes da vida dela experimentaram imensas coisas diferentes até chegarem onde estavam. Não tinham o que ela chama uma “straight-line of purpose”.
O (então) marido dela era um desses casos e sofreu com a pergunta que uma amiga lhe fez “Sabes que nunca vais deixar um legado, certo?”. Que é basicamente um dos meus maiores medos. Daqueles que às vezes me tira o sono. Ele respondeu “My passion is for life itself, in all of its magnificent directions”. O que, convenhamos, é daquelas frases que fica lindamente na voz da Elizabeth Gilbert, mas é difícil de engolir às 2 da manhã perante a ideia de que tudo o que fazemos poderá nunca se traduzir em nada de especial.
A importância da curiosidade
A Elizabeth Gilbert reconhece que vivemos numa cultura que fetichiza o ter uma paixão e as certezas. Ela diz que agora já não lança o conselho da “paixão” por aí, deixou de ser uma “passion bully”:
Now, I say the exact opposite: do yourself a great service, a great kindness, take the word passion off the table. (…) Do something simpler: just follow your curiosity.
Ainda por cima, a paixão é uma coisa exigente, gananciosa, exige tudo. Até pode ser perigoso. Como é que ficaste no fim de uma grande paixão que tenhas tido? Como te sentias? Em que condição te deixou a paixão depois de ter levado tudo?
Por oposição, a curiosidade é mais generosa e um instinto mais humano e natural. Nunca vai fazer exigências disparatadas. Só dá. Também é mais acessível, isto é, é uma coisa mais pequena, mais manuseável. É mais parecido com um caminho de migalhinhas, que vamos fazendo migalha a migalha. Mesmo nos dias piores, há qualquer coisinha que te pode captar o interesse. Uma pista.
A curiosidade só pede que vires a tua cabeça um bocadinho para reparar melhor numa dessas pistas, dessas migalhas. E até pode não ser nada, não dar em nada. E podes passar muito tempo, muitos anos, assim, atrás de uma migalha aqui e outra ali. Esse é o voo do beija-flor.
Britadeiras e beija-flores
The world is divided into two types of people: there are the jackhammers and there are the hummingbirds
Põe-se uma paixão à frente das pessoas que são “britadeiras” e bam-bam-bam. Levam tudo à frente, nem olham para o lado e fazem muito barulho. São eficientes, mas podem ser complicadas e tendem a ser obsessivos e fundamentalistas. Isto é dito por ela, uma britadeira assumida.
Os beija-flores vivem de forma muito diferente:
They move from tree to tree, from flower to flower, from field to field, trying this, trying that. And two things happen: they create incredibly rich, complex lives for themselves and they also end up cross-pollinating the world
Até me arrepio. Ela diz que esse é o serviço que o beija-flor presta. E se tu és um beija-flor, é assim que tens de ser. Parece óbvio e parece fácil, mas não é.
Então a resposta é essa: se não é óbvio para ti qual é a tua paixão, provavelmente és um beija-flor. E tens de te libertar (ou não deixar contaminar) pela pressão da “paixão”. Confia na tua natureza, voa ao sabor da tua curiosidade. E talvez isso te leve exactamente aonde deves estar. Talvez um dia tudo faça sentido e, como dizia o Steve Jobs, ligues os pontos olhando para trás. Os teus voos não foram alietórios.
If you can let go of passion and just follow your curiosity, your curiosity might just lead you to your passion
E tu? Já tinhas pensado na importância da curiosidade?
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4 comments
Que post tão bonito, adoro a ideia de seguir a curiosidade!
Obrigada, Inês! 🙂
nunca mas nunca tinha pensado nisto. e digo-te… trabalhei em muitos sítios, fiz coisas diferentes. nunca trabalhei mais de 3 anos num local. ia sempre andando a ver no que dava, no que arranjava. até que tirei um curso intensivo, arranjei trabalho nessa mesma área e não é que é aí que me sinto realizada? eu sou definitivamente um Beija-Flor ❤️ e não tem mal nenhum nisso.
Das coisas que mais gostei de ler nos meus 68 anos…..